Orgulho, humildade e amor a Deus
"O orgulho é um vento tão fino, tão sutil, que ele penetra em quase todas as nossas ações." (Vianney, cura d'Ars.)1
"Eis-me aqui, meus amigos. Estamos reunidos em nome de Jesus, pois reunir-me com os irmãos em nome do Mestre era e continua sendo a minha busca permanente. Imprimo em vossas almas, nesse momento, o sentimento de amor que trago por esse amigo tão especial, a fim de que possais frequentemente percebê-lo em vosso meio mais claramente, e não somente nesta sessão. Desejo que possais sentir o seu amor por todos nós, expresso no convite sempre reiterado para que façamos o bem e sejamos plenamente felizes.
Gostaria de compartilhar convosco um fato de minha última vida, que talvez vos possa ser útil: quando assumi a paróquia de Ars, ali se iniciaram as vicissitudes para provar-me como verdadeiro seguidor de Jesus. As perturbações intensas e continuadas, da parte de Espíritos endurecidos, tinham por finalidade fazer-me desistir da tarefa, e eram diretamente direcionadas para os resquícios de orgulho que eu ainda carregava na alma. No entanto, a prece era o meu sustentáculo para enfrentar tais desafios e ter forças para seguir o caminho indicado pela humildade. Entendo que é por orgulho que o homem se nega ao bom combate nas suas provas; é por cultivar o orgulho que ele se entrega à derrota, antes mesmo de dar o primeiro passo na batalha; e que é também por alimentar o orgulho que a alma se sente só, crendo-se relegada ao acaso e à lei do mais forte. Assim, era necessário que eu buscasse cultivar a humildade de maneira ampla e radical, e por isso eu buscava na prece o apoio de Jesus, a fim de estar ao abrigo do orgulho e poder cumprir meus deveres, pois a tarefa era árdua. Deus me ajudava, mas cabia a mim o suor da alma, o papel de dedicar-me inteiramente ao próximo. Aprendi desde cedo que, diante de Deus, eu deveria dar mais valor e mais atenção ao próximo do que a mim mesmo. Se eu havia recebido tantas graças era para distribuí-las também aos irmãos e, com isso, despir-me do amor-próprio que só causa sofrimento."
A humildade
"Perguntais em que consiste a humildade. Digo-vos inicialmente que essa continua sendo a minha missão: falar sobre a humildade àqueles que querem adquirir essa virtude a fim de sair do pântano do orgulho em que ainda se acham mergulhados. A humildade, com relação a Deus, nasce quando o ser está ciente de sua filiação divina, e entende que todos são filhos de Deus. A humildade é uma virtude e também um sentimento íntimo que fortalece tanto a fé quanto a caridade, pois contribui para o desenvolvimento da fé sincera, e religiosa no sentido filosófico do termo, que é a fé inabalável em Deus.
Com a humildade evita-se a presunção de achar-se mais e melhor do que se é, porque ela é antídoto contra o veneno do orgulho, e o bálsamo que clareia o olhar daquele que a possui, tornando-se-lhe poderoso auxiliar na busca da verdade.
Em minhas prédicas, com frequência eu falava aos que me ouviam, chamando-lhes a atenção para o fato de que, além do sofrimento material, há o sofrimento moral, que é mais agudo porque atinge a alma e tem por causa o orgulho, promotor da discórdia e da desunião entre os filhos de Deus, e os afasta do Pai. Ao contrário, a humildade os une e os aproxima de Deus. Assim, a humildade é um sentimento que dá calma ao coração e tranquilidade ao espírito.
Jesus agradeceu a Deus por ter ocultado certos mistérios aos doutos e aos prudentes e por tê-los revelado aos simples e aos pequenos,2 pois esses buscavam o reino de Deus, enquanto os outros buscavam unicamente o reino da matéria. Esses últimos buscarão o reino dos céus pela inteligência somente quando estiverem cansados do mundo e perceberem o vazio que trazem na alma, que só poderá ser preenchido por Deus. É nesse ponto que o Espírito se despirá das vestes do orgulho, vício que sempre, e essa é uma regra, sempre lhe causará sofrimento porque deixa na alma o vazio e ao mesmo tempo uma certa agitação na razão e no coração.
Tive a grata satisfação de testemunhar diversos fiéis, dos quais me havia encarregado, serem conduzidos por Jesus ao bom caminho. Pude acompanhar a realização de inúmeras conversões, quando o orgulho cedia lugar à humildade. Via então surgir o cristão verdadeiro que, uma vez compenetrado do seu papel nesse mundo, passava a fazer só o bem, retificando assim os seus erros, geralmente praticados mais por fraqueza do que por mal. Ainda guardo hoje, com muito carinho, a lembrança dessas conversões. Assim, podemos dizer que o mal não existe em essência, mas surge quando, por suas imperfeições, os filhos de Deus deixam de praticar o bem.3 Embora naquele tempo eu não tivesse bem clara essa verdade, tinha uma vaga intuição de que o mal não poderia existir como essência, pois sendo Deus bom e misericordioso não haveria de tê-lo criado, nem mesmo um ser destinado a praticá-lo eternamente.
Hoje o Espiritismo mostra, sob a viva luz de Deus, àquele que o estuda, as consequências danosas do orgulho para quem o alimenta; ensina como identificá-lo em si mesmo de modo a não restar nenhuma dúvida. Mostra também que o olhar de quem é humilde se modifica a respeito do próximo; que a humildade, unida à caridade, derruba os degraus construídos pelo orgulho, em bases falsas, e nivela os homens.
Assim, o espírita sincero, esclarecido pela luz da razão, não poderá justificar-se com desculpas ou subterfúgios por não desarraigar de sua alma o orgulho. Se sois espíritas, desenvolvei a humildade, meus amigos, e assim estareis abrigados dos efeitos do orgulho. Essa virtude vos dará razões irrefutáveis para não sairdes do bom caminho, ainda que sofrais as mais duras perseguições e injustiças. Se, vez ou outra também tendes Espíritos endurecidos a vos perturbar, querendo que desistais do bem, como aconteceu comigo, digo-vos que no fundo, longe de Deus, tais Espíritos anseiam por uma chance de converterem-se ao Pai, para o que podeis contribuir com o bom exemplo. Ainda que, como encarnados o tempo vos pareça mais longo quando sofreis, para o Espírito uma vida inteira não passa de um minuto diante da eternidade. Fazei portanto como eu fiz: perseverai em vossas provas, e colhereis todos os bons frutos que Deus reserva aos seus filhos laboriosos.
Amor a Deus
"Quereis também saber por quais razões eu amo a Deus, pois vos direi.
Amo a Deus, primeiro porque Deus me criou, e me fez único: não há um ser no Universo igual a mim; sinto que sou uma extensão do seu amor, e por isso mesmo não poderia não amá-lo. Amo a Deus porque ele me deu a liberdade, assim como a todos os seus filhos, liberdade de pensamento, liberdade de consciência e de ações; aprendi que, estando Deus em meu ser, se uso da liberdade que ele me concede para amar o próximo, que também é uma extensão do Seu amor, serei infinitamente feliz. Foi por amor a Deus que tomei por dever amar também o próximo tanto quanto já compreendo que Deus ama a todos nós. Entendi que amar o próximo significa fazer tudo o que esteja ao meu alcance para que ele seja feliz tanto quanto eu, e para que ele perceba o amor de Deus e também o ame como hoje eu amo o nosso bom Pai. Assim, conhecer e amar constitui a minha felicidade. Uma felicidade que me proporciona a paz de espírito, ao mesmo tempo em que faz arder em minha alma o sentimento de amor do próximo, e o desejo de auxiliá-lo, quando necessário, a sair do pântano do orgulho que o faz tão infeliz."
Vianney, cura d'Ars
(Por psicofonia, dia 6 de setembro de 2022.)
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1 Do livro: Heures catholiques d'un serviteur de Dieu, ou exercices de piété. Lyon, 1851. (Horas católicas de um servidor de Deus, ou exercícios de piedade.)
2 O Evangelho segundo o Espiritismo, cap. VII - Bem-aventurados os pobres de espírito - Mistérios ocultos aos doutos e aos prudentes
3 "Pode dizer-se que o mal é a ausência do bem, como o frio é a ausência do calor. Assim como o frio não é um fluido especial, também o mal não é atributo distinto; um é o negativo do outro. Onde não existe o bem, forçosamente existe o mal. Não praticar o mal, já é um princípio do bem. Deus somente quer o bem; só do homem procede o mal. Se na criação houvesse um ser preposto ao mal, ninguém o poderia evitar; mas, tendo o homem a causa do mal em SI MESMO, tendo simultaneamente o livre-arbítrio e por guia as leis divinas, evitá-lo-á sempre que o queira." (A Gênese, cap. III - O bem e o mal - Origem do bem e do mal.)